Quando fiquei sabendo, por intermédio de amigos no Brasil, que o presidente estado-unidense faria visita oficial a Pindorama, imediatamente percebi que teria assunto para mais um registro. Registro esse que tarda mas que aproveita uma visão mais completa dos acontecimentos passados, pois fica de fora a emoção borbulhante do calor dos acontecimentos, sobrando somente os resquícios da fervura. Por sinal, sobrou pouquíssimo.
Sobrou, por exemplo, o que a sociedade eletrônica denominou "frase da semana" em correspondência eletrônica que chegou à minha caixinha postal várias vezes nos dias que passaram. Segundo a citação, o ilustre visitante procurou o colega certo se tencionava aprender "tudo sobre álcool". Aparentemente, ignoram ou tentam ignorar que se escreve muito sobre o forasteiro e a bebida. Leia mais, por exemplo, neste vínculo, neste outro vínculo, e ainda neste outro. O leitor mais atento perceberá que as datas variam, que há sofismas, e que os acusadores, a exemplo das moscas, não mudam muito -- mas esse é justamente o paralelo que eu pretendo traçar. Afinal, já escrevi neste espaço sobre tudo que não é "só no Brasil". E, para encerrar o parágrafo, quem sabe os dois chefes executivos possam cursar pós-graduação na Rússia...
E também sobraram protestos simbólicos em que jovens estudantes (um "símbolo" da resistência, já não se lembra bem a quê) comeram bananas (um "símbolo" de alguma coisa, talvez da imagem que fazem da república em que votam) em um restaurante da rede McDonald's (outro "símbolo"). Protestos de quem já tentou visto de entrada para os Estados Unidos e não conseguiu. Protestos contra a guerra no Iraque. Uma certa confusão nas ruas de São Paulo, com engarrafamentos e comércio fechado. Um boneco do Bush, com suástica e bigodinho de Hitler, queimado (que foi o que o noticiário regional noturno da CBS News mostrou aqui no Arizona) e um passeio pela Petrobras, com discursos e promessas (que foi o que o noticiário regional noturno da CBS News comentou aqui no Arizona enquanto mostrava as imagens do boneco queimando).
Nada disso impressionaria muito favoravelmente aqui mas pelo menos ninguém das minhas relações soube da visita -- ou se soube não comentou comigo. Seria necessário bem mais para convencer o povo aqui do norte sobre os benefícios do álcool (que eles chamam pelo nome mais específico de etanol). Na verdade, é bem provável que eles pulem a fase do etanol e cheguem diretamente a outros tipos de energia combustível (especialmente híbridos de gasolina e carro elétrico, e carros a hidrogênio) -- até porque eles não consideram que o etanol (que eles produzem a partir do milho, e não da cana-de-açúcar) seja assim tão bom para o ambiente (em função dos métodos de produção) e nem que seja tão barato (os produtores de milho recebem milhões em subsídios, sem os quais o produto final fica mais caro que a gasolina ou diesel). De maneira que fico duvidando da sinceridade do interesse no produto, e mesmo na tecnologia de produção (inútil, para quem não tem a matéria-prima), ou mesmo na tecnologia do combustível em si, pois há outras tecnologias, já citadas, em competição direta. E, como sabemos, o mercado norte-americano é altamente protecionista e diversos produtos brasileiros sofrem pesadas sobretaxas (aço, suco de laranja, e o próprio álcool, para citar uns poucos).
E o país com a maior economia sul-americana (o noticiário daqui não fala em "décima do mundo") fica assim: convidado a tornar-se um "parceiro estratégico", sabendo que a promessa é vazia. Sobram apenas as imagens mesmo. Se eu morasse em São Paulo e não pudesse trabalhar devido ao caos instalado, talvez até mesmo organizasse um protesto. Mas, por favor, nada que envolva chamar um representante estrangeiro de nazista, nem o meu presidente de bêbado, nem o meu país de república de bananas. Sugestões são bem-vindas.
sábado, 17 de março de 2007
terça-feira, 6 de março de 2007
Só no Brasil, mesmo.
Minha filha tem aula até a semana que vem e depois entra em "recesso de primavera" -- duas semanas sem aula, provavelmente com o propósito de enlouquecer as mães e pais em casa. (Há algumas semanas, o feriado escolar do "Dia dos Presidentes" teve impacto direto lá na minha firma, pois literalmente dezenas de mães não foram trabalhar -- afinal, não tinham onde deixar os filhos em idade escolar.) Pois bem, retornando do recesso, na primeira semana (sim, logo na primeira semana!) não terá aula na sexta-feira -- feriado de primavera! Férias e feriado logo depois da volta às aulas? Só no Brasil, mesmo!
A minha esposa foi cuidar dos filhos de uma amiga que precisou levar o pai ao hospital. Por quê? Porque o pai (da amiga) precisou amputar os dedos dos pés. Aliás, quase metade de cada pé. Amputar? Mas não tem tratamento? Só no Brasil, mesmo!
Só não me estendo mais porque já é tarde e amanhã preciso acordar cedo, de preferência antes de a vizinha de baixo começar a fumar e empestear o ar. Ou eu saio e respiro ar puro cedo, ou saio tarde e enfrento aquela nicotina poluidora. Uma falta de respeito. Só no Brasil, mesmo!
Mas peraí! Que feriado é esse de "dia dos presidentes" e que recesso é esse no final do verão? Ah, pois é, a gente ouve uma coisa dessas e acha que é só no Brasil -- mas isso é aqui no Arizona, minha gente! É, pois é, e a medicina por aqui está nesse estágio de amputação. Pelo menos há vaga no hospital, vão dizer... Sim, no hospital particular. E nem queiram ver a conta do hospital... Quero ver como a vizinha de baixo vai fazer quando chegar a vez dela... Será que sobra algum depois de pagar sete dólares (sim, sete dólares! mais de quinze reais pelo câmbio de hoje) por um maço?
Francamente: uma das poucas coisas que vejo "só no Brasil, mesmo" é um incrível complexo de inferioridade -- tenho observado isso há três, quase quatro anos e agora que "inventei" esse espaço aqui voltarei ao assunto mais vezes.
A minha esposa foi cuidar dos filhos de uma amiga que precisou levar o pai ao hospital. Por quê? Porque o pai (da amiga) precisou amputar os dedos dos pés. Aliás, quase metade de cada pé. Amputar? Mas não tem tratamento? Só no Brasil, mesmo!
Só não me estendo mais porque já é tarde e amanhã preciso acordar cedo, de preferência antes de a vizinha de baixo começar a fumar e empestear o ar. Ou eu saio e respiro ar puro cedo, ou saio tarde e enfrento aquela nicotina poluidora. Uma falta de respeito. Só no Brasil, mesmo!
Mas peraí! Que feriado é esse de "dia dos presidentes" e que recesso é esse no final do verão? Ah, pois é, a gente ouve uma coisa dessas e acha que é só no Brasil -- mas isso é aqui no Arizona, minha gente! É, pois é, e a medicina por aqui está nesse estágio de amputação. Pelo menos há vaga no hospital, vão dizer... Sim, no hospital particular. E nem queiram ver a conta do hospital... Quero ver como a vizinha de baixo vai fazer quando chegar a vez dela... Será que sobra algum depois de pagar sete dólares (sim, sete dólares! mais de quinze reais pelo câmbio de hoje) por um maço?
Francamente: uma das poucas coisas que vejo "só no Brasil, mesmo" é um incrível complexo de inferioridade -- tenho observado isso há três, quase quatro anos e agora que "inventei" esse espaço aqui voltarei ao assunto mais vezes.
sexta-feira, 2 de março de 2007
Tiro no mensageiro
Levou apenas um dia. Se por um lado o favorecimento de Hollywood ao seu ídolo liberalista Al Gore foi escancarado com laudêmios e até mesmo um Oscar por seu filme "An Inconvenient Truth", por outro lado a reação conservadora foi igualmente óbvia. Bastou que o líder democrata ("eleito pelo povo" na diretíssima indireta da apresentadora Ellen deGeneres) tivesse mais uma oportunidade de apresentar sua causa ambientalista (e assim alfinetar o presidente "que não foi eleito" e suas políticas ávidas por petróleo) para que se sacassem pretensas cartas na manga, acusando-o de ser um cínico consumidor de energia. Em reportagem publicada pelo grupo ABC, entre muitos outros (pesquise no Google com as palavras-chave "power bill gore", sem aspas mesmo e veja a extensão da reação da imprensa eletrônica), surgiram os primeiros engraçadinhos de plantão para dizerem que é o premiado vice-presidente quem precisa explicar uma "verdade inconveniente".
Tudo porque a conta de luz na mansão do rico neocineasta excede em valor a média do estado do Tennessee. Ora, é uma mansão! A minha despesa mensal com eletricidade em um apartamentinho de dois quartos com ar-condicionado, lavadora e secadora de roupas, lava-louças e dois aparelhos de televisão chega aos cento e cinqüenta dólares mensais. Para uma família de quatro pessoas. A despesa de minha empresa em dois andares e meio no prédio comercial onde trabalhamos passa dos dez mil mensais (é verdade, temos três elevadores e um computador para cada um dos quase seiscentos funcionários, além do ar-condicionado) e chega a dezesseis mil no quente verão do Arizona. Então uma mansão não pode ter uma conta de mil e trezentos?
Francamente, a questão do aquecimento global não é uma questão do valor da conta de luz, mas do tipo de energia que se usa e como ela afeta o ambiente. Inclusive, energias alternativas, produzidas em menor escala, tendem a custar mais que energias produzidas em grande escala. Por exemplo, o álcool combustível produzido nos Estados Unidos é caríssimo, mais caro que a gasolina derivada de petróleo (assunto para outro dia). Mas, supondo (como dizem os advogados, "só para argumentar") que fosse uma questão de valores, qual é a surpresa de que uma mansão consuma mais que uma casinha do pobre Tennessee? (pobre mesmo, quadragésimo entre cinqüenta estados americanos medidos por sua taxa de pobreza) A mim, não me surpreende.
No meu modo de ver, é mentalidade semelhante à que critica o executivo que usa muito o celular, o representante de vendas que usa muito o carro, ou o adolescente que dorme demais. Ora, cada um, em sua situação, utiliza recursos diferentemente. O problema não é que se consuma mais que a média, mas que se consuma mais que o necessário. O sujeito que vai à padaria da esquina de automóvel em vez de caminhar é mais perdulário que a pessoa que precisa dirigir até um hospital do outro lado da cidade. O consumidor que deixa a televisão ligada mesmo sem assisti-la e as lâmpadas acesas mesmo quando sai da sala pode ser (pode) mais antiambientalista que o dono de uma mansão no Tennessee.
Mas talvez o pior de tudo tenha sido perder tempo e consumir energia com a leitura desse artigo. Se foi, ou mesmo se não foi, deixe seu comentário. Ou não. :-)
Tudo porque a conta de luz na mansão do rico neocineasta excede em valor a média do estado do Tennessee. Ora, é uma mansão! A minha despesa mensal com eletricidade em um apartamentinho de dois quartos com ar-condicionado, lavadora e secadora de roupas, lava-louças e dois aparelhos de televisão chega aos cento e cinqüenta dólares mensais. Para uma família de quatro pessoas. A despesa de minha empresa em dois andares e meio no prédio comercial onde trabalhamos passa dos dez mil mensais (é verdade, temos três elevadores e um computador para cada um dos quase seiscentos funcionários, além do ar-condicionado) e chega a dezesseis mil no quente verão do Arizona. Então uma mansão não pode ter uma conta de mil e trezentos?
Francamente, a questão do aquecimento global não é uma questão do valor da conta de luz, mas do tipo de energia que se usa e como ela afeta o ambiente. Inclusive, energias alternativas, produzidas em menor escala, tendem a custar mais que energias produzidas em grande escala. Por exemplo, o álcool combustível produzido nos Estados Unidos é caríssimo, mais caro que a gasolina derivada de petróleo (assunto para outro dia). Mas, supondo (como dizem os advogados, "só para argumentar") que fosse uma questão de valores, qual é a surpresa de que uma mansão consuma mais que uma casinha do pobre Tennessee? (pobre mesmo, quadragésimo entre cinqüenta estados americanos medidos por sua taxa de pobreza) A mim, não me surpreende.
No meu modo de ver, é mentalidade semelhante à que critica o executivo que usa muito o celular, o representante de vendas que usa muito o carro, ou o adolescente que dorme demais. Ora, cada um, em sua situação, utiliza recursos diferentemente. O problema não é que se consuma mais que a média, mas que se consuma mais que o necessário. O sujeito que vai à padaria da esquina de automóvel em vez de caminhar é mais perdulário que a pessoa que precisa dirigir até um hospital do outro lado da cidade. O consumidor que deixa a televisão ligada mesmo sem assisti-la e as lâmpadas acesas mesmo quando sai da sala pode ser (pode) mais antiambientalista que o dono de uma mansão no Tennessee.
Mas talvez o pior de tudo tenha sido perder tempo e consumir energia com a leitura desse artigo. Se foi, ou mesmo se não foi, deixe seu comentário. Ou não. :-)
domingo, 25 de fevereiro de 2007
A sorte está lançada - no oeste
Se um blog precisa de um nome bacana, uma "chamada" especial que indique do que ele pretende tratar, pelo menos isso eu tenho a pretensão de ter. Do latim "alia iacta est", "a sorte está lançada", acrescentei um "w" ao "est" para fazer "west" -- uma referência sutil ao fato de estar vivendo no Oeste dos Estados Unidos há quase quatro anos. Não há nisso orgulho nem vergonha; apenas declaro o fato, que de qualquer maneira é público e notório pelo menos entre o público que (talvez) venha a visitar estas maltraçadas.
Assunto creio que não faltará: tudo o que tenho tratado com meus amigos por correio eletrônico nos últimos quatros anos é material possível. Afinal, alguns deles conseguiram convencer-me ao longo do tempo de que as minhas opiniões têm algum valor intrínseco ou pelo menos são divertidas. Assim também eu não preciso mandar mensagens eletrônicas para dezenas de pessoas (ou seja, spam) quando eu julgar que o assunto mereça mais atenção.
Por fim (digo, por enquanto), obrigado por sua visita.
Assunto creio que não faltará: tudo o que tenho tratado com meus amigos por correio eletrônico nos últimos quatros anos é material possível. Afinal, alguns deles conseguiram convencer-me ao longo do tempo de que as minhas opiniões têm algum valor intrínseco ou pelo menos são divertidas. Assim também eu não preciso mandar mensagens eletrônicas para dezenas de pessoas (ou seja, spam) quando eu julgar que o assunto mereça mais atenção.
Por fim (digo, por enquanto), obrigado por sua visita.
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